11/12/2021

Faz o que eu digo, não faças o que eu fiz (e outras reflexões sobre o sono infantil)

Há momentos em que me sinto uma fraude naquilo que faço. E falar sobre sono infantil é um desses momentos. O meu filho mais velho, o Sebastião, não dormia. Um padrão que começou no primeiro dia em casa e arrastou-se até aos 3 anos. E mesmo assim, não desapareceu magicamente. Os despertares noturnos, o embalar-se para dormir, a recusa em dormir a sesta e em ir para a cama à noite, continuam a acontecer esporadicamente, tendo ele 5 anos.

Por ter sofrido na pele a supressão de sono, ao ponto de sentir que dormia mais nos bancos do que em casa, tento sempre sugerir estratégias e leituras para os pais que, na minha consulta, se debatem com os mesmos problemas. E não tenho pejo nenhum de os encaminhar para quem sabe.

Mas do pouco que eu sei, é que quanto mais tempo os problemas do sono persistirem, mais aspetos comportamentais vamos encontrar. E o que é que isso implica? Significa que muitas das estratégias de organização, rotinas, ritualização acabam por não ser particularmente efetivas.

E depois entramos no mundo dos métodos de treino de sono. Algo que, logicamente, me deixa desconfortável.

A escola anglo-saxónica é toda a favor de métodos de treino de sono. As recomendações são tão latas ao ponto de sugerir uma primeira consulta com uma terapeuta de sono aos 2 meses. Eu acho isto tão descabido, que não recomendo de todo. Aliás, a Academia Americana de Pediatria, coloca a tónica nos 6 meses como idade mínima para a aplicação dessas técnicas.

Ainda assim, os métodos de treino formal de sono não são o meu tipo de ferramentas. Nem deixar chorar.

Mas, ocasionalmente, surgem-me famílias desesperadas. Como a do Gaspar e a da Madalena (iambos nomes fictícios). Já são bebés com mais de 1 ano que mantêm um padrão de despertares noturnos a cada 1h30. Solução? Ambas as famílias decidiram, no desespero das noites em branco, coloca-los na cama dos pais. E nem por isso o padrão se alterou significativamente: a amamentação manteve-se de hora a hora, com o inconveniente dos pais levarem com pontapés e cabeçadas (os miúdos desta idade, como sabem, não têm inibição motora durante o sono…).

Há famílias que gerem bem isto, que têm capacidade de reconciliação e aceitação. Há pais que deixam os miúdos dormir na cama de casal, mesmo que durmam mal. E eu sou totalmente a favor disto, desde que estejam felizes! Desde que funcione para aquela família. Mas há famílias em que a cama compartilhada não é solução! E da mesma maneira que respeito uns, também respeito outros.

Nestas circunstâncias, com os pais visivelmente exaustos, infelizes e em conflito (já sabemos que a privação de sono é um tipo de tortura muito eficaz), às vezes fico sem recursos. Não tenho truques na manga para resolver o problema numa semana: a não ser, sugerir um método formal de treino de sono.

E eu acredito que nenhuma criança ou adulto deve adormecer a chorar. Ninguém merece isso. E também acredito que ninguém pede, através do choro, algo que não precisa. E estes miúdos que não dormem, têm necessidades muito específicas que não estamos a conseguir atender. Mas às vezes encontro os pais tão exaustos, já tão depauperados de recursos para iniciar um processo demorado que pode (ou não) resultar num sono mais organizado, que já não sei mais o que dizer.

É nesta altura que partilho um artigo interessante do New Yorker, sobre o negócio florescente de “amas de sono”. Partilho este artigo numa tentativa de os fazer sentir que não estão sozinhos na sensação de estarem a atingir o limite. Porque eu também o senti e a certa altura, desesperada, deixei o meu filho chorar na cama. Simplesmente porque já não conseguia levantar-me para lá ir.

O mais irónico de tudo isto, é que eu não acredito que sejam as crianças de agora que não dormem. Eu penso que o sono imaturo das crianças sempre teve esta manifestação. Nós, os adultos, é que nos tornámos mais empáticos e sintonizados com as necessidades da criança. A minha avó foi a primeira a sugerir deixar o Sebastião chorar. É algo geracional, percebem?

Temos os filhos mais tarde, empenhamo-nos na sua educação extremosa, refletimos sobre detalhes que gerações anteriores nem sequer valorizavam (como a questão das escolhas alimentares, da roupa orgânica, da segurança rodoviária, dos brinquedos…) e como assim, vamos deixa-los chorar?

O problema é que os pais mudaram, mas a sociedade não! Nós queremos fazer muito melhor para os nossos filhos, mas a sociedade continua a exigir-nos horários rígidos, pouca autonomia e uma cultura de presentismo esmagadora.

Eu acredito mesmo que deveríamos poder sinalizar as famílias com supressão de sono grave para alguma espécie de benefício laboral. Mas eu não sou legalista nem percebo como isto poderia ser feito. Resta-me seguir estas famílias, sabendo à partida que estão em franco risco de desagregação, divórcio e problemas graves de saúde mental.

E é neste ponto que a balança fica diferente. Será que faz sentido não aplicar um treino de sono, quando eu sei que tenho os pais em depressão e conflito? O que me interessa é o bem-estar da criança. O que a criança ganha se ela dorme com os pais, acorda de hora a hora e exige ser atendida, mas os pais estão no seu limite e passam a ter muito menos paciência durante o dia?

E é este o meu dilema com algumas famílias.

Quem tiver ideias, que as partilhe. Somos muitos a precisar!

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